À simples audição da palavra “comunismo” (ou seus derivados), a moça
entrava em estado de pânico e tinha que ser socorrida com sais aromáticos para evitar
um delíquio. Não que ela se preocupasse com a propriedade dos meios de produção ou
com a distribuição de renda. Nada disso. Comunismo para ela não era uma doutrina
socioeconômica oposta ao regime capitalista. No seu imaginário, tratava-se apenas da
encarnação da besta do Apocalipse, capaz de levar a humanidade à extinção pura e
simples, por via da prática de atrocidades indescritíveis. O estupro de freiras e a
degustação de cérebros humanos infantis, por exemplo, eram as atividades preferidas
dos comunistas, conforme afirmava com a mais absoluta convicção a nossa heroína, de
nome Euzébia, produto perfeito e acabado da Guerra Fria e vítima de massiva
propaganda.
Alie-se a isso a formação intensamente religiosa da moça, interna que
fora em colégio católico. Sua professora de catecismo, Irmã Eugênia, não se cansava de
repetir nas aulas diárias, que todo cuidado era pouco com os comunistas porque estes,
insidiosos e hipócritas, não perdiam nenhuma oportunidade de se infiltrar mesmo nos
lares mais bem estruturados. “Comunista não é gente”, bradava com ênfase a boa freira,
sempre disposta a contar um pesadelo recidivo que a atormentava durante as noites,
depois das orações na capela. Era assim a alucinação: em fila, as freiras se dirigiam à
igreja para o serviço das matinas. Na semiobscuridade da noite de lua minguante, eis
que lhes é dado divisar, na porta principal do templo, uma horrenda e gigantesca figura,
misto de homem e dragão. Ajoelham-se as freiras, em oração e em prantos, sem
conseguir desviar as vistas do monstro, que lançava fogo pelas narinas. A prioresa, num
rasgo de coragem e fé, ergue-se e proclama: “Somos filhas de Deus e esposas de Cristo.
Quem és tu, infame criatura, que ousas atormentar a nossa paz?” Não era uma voz o que
se ouviu em resposta. Era, antes, um grunhido pavoroso, roufenho e malévolo, a dizer:
“Ora, quem sou. Sou o comunismo e não tardará o momento em que vereis desabar
sobre a vós toda a minha ira destrutiva e avassaladora”. Como veio, assim se foi a
aparição e Irmã Eugênia despertava entre suores frios e um medo desumano.
Por cima de tudo, a nossa Euzébia não era figura que primasse por dotes
de beleza física. Os mais inclementes diziam mesmo que ela era feia como a justiça de
Tefé. Tendo escolhido a enfermagem como profissão, não lhe foi difícil compreender a
natureza de certas manchas que lhe apareceram na pele. Era vitiligo. Socorreu-se, como
era natural, dos serviços de um dermatologista de sua confiança que, após lhe explicar a
natureza e a evolução da doença, teve a modéstia de lhe afirmar que, em Cuba, ela
poderia encontrar tratamento mais adequado e mais avançado. Foi o mesmo que cutucar
o cão com vara curta. A moça ficou uma fera e, dedo em riste, vociferou para o
esculápio: “Admiro-me do senhor, doutor. Conhecendo-me, como o senhor me conhece,
ter a ousadia de sugerir que eu, esta serva de Deus, vá me submeter a tratamento com
aqueles comunistas (o sinal da cruz veio em seguida). Deus me livre. Antes uma boa
morte do que permitir que um barbudo nojento daqueles toque no meu corpo”.
Era inevitável: Eusébia se tornou membro da TFP. Essa organização
(Tradição, Família e Propriedade) era o que podia haver de mais cretino e reacionário na
segunda metade do último século. Desfraldando agourentas bandeiras pretas, saíam em
bandos pelas ruas, a fazer pregações e a visitar famílias, tudo com o intento primacial de
prevenir a todos contra os perigos do comunismo. Nessa faina, entra o grupo de
fanáticos na humilíssima residência de uma velha, num dos bairros periféricos de
Manaus. Chão batido, desprovida de qualquer superfluidade, a casinha era a própria
imagem da pobreza, raiando a miséria. O porta-voz do bando exorta a velhinha: “Minha
boa senhora, tenha muito cuidado com o comunismo”. Sentada num caixote de madeira,
a anciã indaga: “O que é comunismo?” A resposta não se fez esperar: “É um bando de
malvados que não tem piedade de ninguém. Eles tiram o que é da gente para distribuir e
não pagam nada”. A réplica foi mortal: “Tomara que já venha, então, esse tal de
comunismo. Pode ser que eu acabe ganhando uma cadeira de balanço”. Pano rápido. A
horda deu marcha a ré e foi atormentar em outra freguesia.