Por todo o território amazônico, longe das estatísticas e dos discursos técnicos, existe uma bioeconomia que pulsa em silêncio. Ela nasce do saber tradicional, da relação íntima com a natureza, da observação do tempo, dos ciclos da chuva, do cheiro da terra molhada. É uma economia feita por mãos que colhem, preparam, secam, curam e transformam. Uma economia que não tem palco, mas sustenta vidas e, em muitos aspectos, sustenta o próprio planeta.
Essa bioeconomia invisível está nos quintais das casas, nos barrancos dos rios, nas roças comunitárias, nas feiras das pequenas cidades. É vivida diariamente por mulheres, ribeirinhos, agricultores, pescadores artesanais e povos originários que manejam a biodiversidade com sabedoria. Seus produtos são óleos, farinhas, sementes, fibras, frutos, cosméticos naturais, fitoterápicos, mas o que está em jogo vai muito além do produto final. O que se produz, ali, é equilíbrio.
Cada prática de manejo, cada forma de transformar um fruto em óleo ou um cipó em remédio, é também uma forma de conhecimento. Não raro, esse saber é passado de geração em geração, de avó para neta, de pajé para aprendiz. É uma ciência da oralidade, dos sentidos, do convívio. Invisível aos olhos apressados da modernidade, mas essencial para quem compreende que inovação e tradição não são opostas, podem, e devem, caminhar juntas.
Olinda Canhoto, analista de negócios da incubadora WIT, da Fundação Desembargador Paulo Feitoza (FPFtech), resume bem essa visão. Recentemente, mediadora de um debate recente sobre o tema, ela pontua: “Queremos evidenciar que existe uma inovação que nasce no quintal, na feira, na roça e que também sustenta o planeta.” Sua frase traduz o que tantos ainda não enxergam: há um ecossistema vibrante fora dos circuitos formais da ciência, que precisa apenas ser reconhecido como tal.
A bioeconomia invisível não busca grandes vitórias. Ela se move na simplicidade, na reciprocidade, na lógica do cuidado. Em vez de extrair ao máximo, busca coexistir. Em vez de competir, compartilha. Seu tempo não é o da velocidade, mas o da permanência. Seu lucro não é apenas financeiro, mas social, afetivo e ambiental.
Em tempos de crise climática, discutir modelos sustentáveis de produção e consumo é urgente. Mas talvez a maior lição esteja onde menos se olha: no cotidiano de quem já vive, há muito tempo, a verdadeira sustentabilidade. A bioeconomia invisível é a prova de que é possível gerar valor sem destruir. Que é possível inovar sem romper. Que há futuro naquilo que resistiu.
Ver essa bioeconomia exige escuta. Exige descolonizar o olhar. E exige, principalmente, humildade para aprender com quem sempre soube. Porque a Amazônia não é só floresta. É cultura, é economia, é ciência viva. Invisível, sim. Mas jamais ausente.
Augusto Bernardo Cecílio
Auditor fiscal e professor.