Um dos governos da ditadura criou um tal Ministério da Desburocratização, cujo objetivo, como se há de intuir, seria evitar a repetição de despachos folclóricos qual aquele do lendário chefe de repartição que, instado a autorizar a incineração de papéis velhos e inúteis, canetou com invejável sabedoria: “Defiro o pedido, desde que extraídas e autenticadas as devidas fotocópias”.
Quem ainda não enfrentou um fila de banco ou do INSS? E quem, depois de chegar ao primeiro lugar da fila, ainda não ouviu o solícito servidor dizer algo pelo estilo: “Não posso receber o seu pedido porque ele está preenchido no modelo DA-5 e o modelo correto para esse caso é o DA-6”?
Convenhamos em que o cansaço e a disposição do ex-ministro nos poderiam servir de guia para que pudéssemos, também, exercer elementar atributo da cidadania e exigir sermos tratados como seres humanos e não como índices de apuração estatística. Que tal, por exemplo, não ter que enfrentar filas nos Bancos? E não ter que esperar seis meses para marcar uma consulta no Sistema Único de Saúde e outros seis para realizar um exame laboratorial?
Não há de estar longe o tempo em que, com o geométrico crescimento da burocracia, vamos ter que, a cada minuto, exibir um atestado médico para provar que estamos vivos. O Ministério da Previdência já ensaiou. Os de mais de noventa que o digam. E, agora mesmo, surge um projeto de lei no Congresso Nacional, cujo escopo é obrigar os advogados a renovarem a procuração de seus clientes, a cada dois anos, em todos os processos em curso. Diz o iluminado autor do projeto que é para impedir que os advogados se apropriem de dinheiro dos clientes, sem lhes prestar as devidas contas. Como autoproclamadamente eu sofro de insuperável deficiência para entender as coisas de alta indagação, não consegui atinar com o que tem a ver uma coisa com a outra. Parece-me ser apenas mais um lampejo de gênio da ciência burocrática que continua, lépida e fagueira, a se alimentar da burrice para prosseguir no seu patriótico caminho de zombar de todos nós.
Felix Valois é Advogado, Professor, Escritor e Poeta