Tempo houve em que as atrizes do teatro de revista eram chamadas de “vedetes” e moças bem jovens eram “brotinhos”. Os homens usavam brilhantina nos cabelos e a água de colônia Regina, assim como o perfume Bond Street, estava na moda. Por essa época, existiam também clubes que promoviam bailes carnavalescos. Alguns eram sofisticados como o de segunda-feira gorda no Atlético Rio Negro Clube. Ali, a grã-finagem baré se reunia, os cavalheiros trajando smokings ou summers, com as madames ostentando cetins e sedas, tudo devidamente ornamentado por pedras, paetês e lantejoulas. Ou fantasias de alto luxo. Outros, nem tanto A uma quadra dali, na esquina das ruas Leonardo Malcher e João Coelho (hoje rebatizada como Constantino Nery), o Olímpico Clube, mais popular e mais aberto, fazia a imperdível “Despedida da Kamélia”, sem a frescura do traje a rigor. Mas essas distinções terminavam às seis horas manhã, quando, encerradas ambas as festas, saíam todos, rionegrinos e olímpicos, descendo a Eduardo Ribeiro para a concentração final, que se dava na Praça da Polícia.
Nesses bailes, ouviam-se e dançavam-se marchas e sambas. Era possível cantar “o teu cabelo não nega, mulata, porque és mulata na cor” sem ser acusado da prática do crime de racismo. Entoar “olha a cabeleira do Zezé” não levava ninguém aos tribunais por homofobia. Também era possível usar fantasias e máscaras, sem que surgisse um mentecapto a tentar enquadrá-lo na prática de terrorismo. Essas festas acabaram definitivamente. E, pelo que vejo hoje, nas ruas, as marchas, ao som dos instrumentos de metal, foram substituídas por toadas de boi e, por incrível que pareça, até por essa coisa que alguns insistem em chamar de música e que a Bahia exportou com o nome de axé.
Carnaval sem confete, serpentina e lança-perfume não era digno desse nome. Hoje restaram apenas os dois primeiros e olhe lá. Aliás, os mais jovens nunca viram um lança-perfume. Dou-lhes as definições que o dicionário Houaiss fornece para esse substantivo masculino: “1 – Bisnaga metálica ou de vidro, usada sobretudo nos festejos carnavalescos e que, carregada de éter perfumado e à base de ar comprimido, lança seu conteúdo a relativa distância quando destampada. 2 – O conteúdo dessa bisnaga”. A juventude há de se indagar: “Se vocês, velhos, usaram, por que não podemos nós desfrutar do lança-perfume”? Mais do que justa a perplexidade. Era bom, era gostoso, agora não é mais. Foi proibido. Pior: virou crime. É isso mesmo. A eterna mania de criminalizar até jogo de bolinha de gude, colocou o éter no elenco das substâncias que podem causar dependência física ou psíquica. Portanto, nem pense em usar um lança-perfume para tirar graça lançando um jato nas costas de uma donzela. Você corre o risco de ser preso por uso de substância entorpecente e, dependendo das circunstâncias ou do humor de quem o prender, pode ser acusado até de tráfico de drogas, com todas as consequências que a nossa legislação ridícula criou a partir daí.
É certo, tenho de reconhecer, que muitas vezes a brincadeira perdia sua ingenuidade. Nunca o fiz (e nem proclamo isso com muito orgulho, como se fosse uma vitória excepcional), mas vi alguns colegas fazerem o que se chamava “cheirar lança-perfume”. O conteúdo da bisnaga era jogado num lenço que, uma vez ensopado, era levado ao nariz. O efeito era imediato. O infeliz desmaiava ou ficava “doidão”, numa reação que era tão rápida quanto efêmera. De qualquer sorte, perigosa, porque os médicos eram unânimes em reconhecer que, dependendo do organismo, tal prática poderia levar à morte.
Daí, talvez, a proibição, que, apesar de assim justificada, não perde a similaridade com a história do marido traído que mandou jogar no lixo o sofá em que encontrou a mulher na prática adulterina. Fórmula singela e de duvidosa eficiência quanto a evitar a repetição do mal feito. Se não é saudável nem recomendável cheirar, nunca ouvi dizer que alguém tenha corrido qualquer risco pelo simples fato de lançar um jato do tal éter perfumado. Quando muito um eventual incômodo nos olhos, se ocorria a eventualidade de serem eles atingidos.
Tudo são coisas do passado. O carnaval para mim, agora, não é feito nem “na base do berimbau”, como o do Jackson do Pandeiro. E só posso cantar com o poeta: “Acabou-se o nosso carnaval/Ninguém ouve cantar canções/Ninguém passa mais cantando feliz/E nos corações só saudades e cinzas foi o que restou”. Pelo menos isso.