O Ministério da Agricultura adverte: comer carne pode ser prejudicial à saúde. E agora, como vamos sair desta? Vender carne de pescoço como filé, implica em desonestidade do vendedor e burrice do comprador, defeito este que reivindico para mim, tendo em conta a minha total incapacidade de distinguir entre as diversas facetas da anatomia bovina. Mas foi dado um passo além. Pulou-se dessa desonestidade trivial, encontradiça em feiras e mercados, para um estágio mais avançado, que implica em alterar a própria estrutura do produto a ser vendido (e comprado). Assim, quando todo serelepe, o cliente encomendar um delicioso filé à milanesa, não pode mais saber o que, na verdade, lhe vai ser servido. Que tal um lombo de cachorro? Não há motivo para espanto. O bichinho escolhido para a sutil substituição haveria de ter sido estimado por alguém e, bem cuidado, deve ter as carnes moles e perfeitamente palatáveis.
No setor dos churrascos, a coisa pode adquirir conotações um pouco mais complicadas. Parece que estou vendo o meu filho Alfredo preparar o churrasco domingueiro. Faz isso com tanto carinho e dedicação que dá gosto olhar. E de vez em quando, lá vem, vermelha e suculenta, a picanha mal passada. Mas será mesmo picanha o que acabou de sair do braseiro? Impossível ter certeza absoluta nestes tempos. Por que não arriscar em mucura de cativeiro? Cientificamente cuidado e com alimentação balanceada, o roedor, dizem, está em perfeitas condições de ampliar o horizonte alimentar do homem, podendo ser incluído no cardápio desse tipo de festejo familiar. Não posso assegurar que o preço seja inferior ao do similar bovino. São coisas do mercado, território restrito ao domínio dos economistas.
Antes do churrasco propriamente dito, os convivas hão de se ter deliciado com um tira-gosto de presunto ou de salame. Faz parte do ritual e é a melhor forma até hoje conhecida de iniciar o festejo. Pergunte-se agora, meu empolgado amigo: o que conteria o tal presunto ou de que foi feito o salame alternativo? Sua melhor aposta é acreditar que na preparação dos dois petiscos foram empregados materiais da melhor e mais alta qualidade, quais sejam, fígado de rato e pâncreas de gambá. Vê-se que entrou na composição do cardápio, o simpático marsupial, tão difamado mundialmente por meras considerações odoríficas. Nada para causar espanto. O avançado processo de tratamento industrial consegue milagres, de forma que o produto final vem à mesa agradável à vista e ao olfato. Com a vantagem adicional de que o consumidor já não fica preso às parcas opções oferecidas pelos supermercados que, conservadores, não conseguem abrir os olhos para os novos tempos.
Aquele tira-gosto consumido antes do prato de resistência foi, por certo, acompanhado de uma cerveja. Bem gelada, de preferência, que cerveja quente só serve para concorrer em concurso de afobação. Pois não é que nesse setor de bebidas também temos novidades espetaculares? Corre pela internet a notícia de que, atraídos pela cevada, os pombos afluem aos montes para o local onde está sendo feita a cerveja. Sem noção de higiene ou de perigo, as aves circulam em revoada e vão soltando penas que, singela e poeticamente, se misturam à massa que está em tratamento. Vez por outra, ocorre a tragédia: é um pombo inteirinho que, com o radar defeituoso e desprovido de GPS, se vai imolar no caldeirão onde a cevada está sendo curtida. Pronto. Não precisa vibrar de felicidade por saber que está consumindo a primeira cerveja alada do mundo. Afinal de contas, sendo alcoólica, a cerveja serve também para soltar a imaginação do consumidor, e, já vindo de fábrica com o ingrediente apropriado, fica mais fácil esse decolar para o mundo dos sonhos.
Diante de tantas e tão excitantes novidades nesse universo fascinante da alimentação e da bebida, como se deve comportar o consumidor? Não lhe sei dizer. Que seja do meu conhecimento, o Ministério ainda publicou uma cartilha ensinando como enfrentar os novos tempos. Mas acho que não cometo nenhuma heresia se recomendar cautela. Afinal, como já dizia minha avó, calma e caldo de galinha nunca fizeram mal a ninguém. Por isso, não se deixe enganar. Não compre gato por lebre, se me perdoam o infame trocadilho. Vá pelo certo: continue frequentando aquela barraquinha de churrasco, na rua mais recôndita do seu bairro. Aquela, iluminada por um lampião a querosene e de onde provém um cheiro tentador. Ali, você pode estar na certeza de que vai consumir angorás autênticos, com pedigree e tudo o que se exige para uma boa refeição. Inclusive certificado da Anvisa.
Por Felix Valois