Manaus é uma cidade cortada por igarapés. Tinha tudo para ter um clima ameno e um sistema viário eficiente e bonito, aproveitando o traçado fluvial. Mas não foi feita assim.
Manaus foi construída na marra, por ocupações desordenadas e gestões públicas estúpidas e desumanas. A população foi crescendo, seja por migrações ou natalidades, e se esparramando pela periferia.
De ordenado, ficou o centro histórico, com galerias feitas pelos ingleses e o Teatro Amazonas erguido com a grana do látex. Por sinal, essa grana só enriqueceu meia-dúzia de famílias, com o suor e o sangue dos seringueiros.
Há mais de um século que a cidade é vítima da brutalidade dos governantes. Sua frente é de costas para o belo rio negro e só os novos ricos da ponta negra podem vê-lo das suas varandas gourmet. Ao povo, sobrou o deslocamento em ônibus velhos para curtir umas poucas horas na frente do rio da sua cidade.
Manaus tem o 12º pior indicador de saneamento básico entre as 100 maiores cidades do Brasil. Apenas 21,95% do esgoto é coletado na capital amazonense e somente 24,14% desse percentual é tratado. Os igarapés foram canalizados com material de péssima qualidade e vivem estourando, abrindo crateras e desalojando famílias.
A verdade é que não escolhemos gestores como quem gosta da cidade onde mora. Escolhemos mal. Nunca tivemos uma prefeitura preocupada em planejar a cidade, identificar seus problemas estruturais e tratar de resolvê-los. Nem mesmo para o povo essa corja olha.
A chuva chegou. Serão seis meses de muita água caindo das nuvens. Novamente, crateras se abrem e famílias perdem tudo que conseguiram numa vida inteira: suas casas, seus móveis, suas roupas, suas memórias expressas em objetos. Tudo se vai; tudo se esvai como água saindo entre os dedos.
Manaus, minha Manaus, até quando serás tão maltratada e teu povo tão humilhado?
Lúcio Carril
Sociólogo