Entender o impacto dos danos causados por frequentes queimadas na Amazônia, a maior e mais biodiversa floresta tropical do mundo, tem sido um desafio nos últimos anos. Agora, um artigo publicado na revista Remote Sensing aponta uma ferramenta promissora nesse sentido: dados de VOD (Vegetation Optical Depth, na sigla em inglês) oferecem consistência científica para detectar mudanças na vegetação provocadas pelo fogo.
Chamado de “profundidade óptica de vegetação baseada em micro-ondas passiva”, o VOD é um indicador que aponta a quantidade de água na vegetação (densidade), mostrando se o dossel florestal está mais seco por causa do clima ou se foi queimado. É calculado com base em dados de satélite por radar (micro-ondas), que sofrem menos influências da atmosfera e de nuvens quando comparados a satélites ópticos.
Já o dossel, formado pela cobertura superior das árvores, tem importante papel na dinâmica da floresta por apresentar um rico hábitat para plantas e animais, tendo um ambiente diferente das áreas próximas ao chão.
Estudo realizado por pesquisadores da Universidade de Nanjing, na China, com a colaboração do brasileiro Ricardo Dal’Agnol, concluiu que “a combinação de VOD e de informações de satélites ópticos pode fornecer, em tempo real, dados mais abrangentes sobre as mudanças na biomassa causadas por incêndios e sobre a capacidade de recuperação da vegetação, que deve ser amplamente aplicada no futuro”.
“Pela primeira vez, esse tipo de dado foi testado para analisar o efeito do fogo no dossel da Floresta Amazônica”, explica Dal’Agnol, que é pesquisador na Divisão de Observação da Terra e Geoinformática do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e recebe apoio da FAPESP por meio de Bolsa de Pós-Doutorado.
A pesquisa analisou dados de uma área no sul da Amazônia durante a temporada de incêndios de 2019, entre julho e outubro, usando informações de VOD e mais três índices obtidos por meio de análise de imagens de satélite: o índice de vegetação de diferença normalizada (NDVI); o de vegetação aprimorado (EVI) e a razão de queima normalizada (NBR).
“Em primeiro lugar, descobrimos que a precipitação de julho a outubro estava próxima das médias climáticas, sugerindo que não houve eventos extremos e que o fogo foi o fator que provocou anomalias no dossel da floresta. Em segundo, o número de incêndios ativos durante a temporada de 2019 ficou acima da média, principalmente nos meses de agosto e setembro. Terceiro: comparamos as anomalias de VOD e índices baseados em dados ópticos contra a distribuição espaço-temporal de incêndios”, explica o grupo no artigo publicado em junho, numa edição especial da revista que trata de aplicações do sensoriamento remoto e do VOD.
No trabalho, os pesquisadores encontraram uma discrepância: a magnitude das perdas registradas pelos índices ópticos foi maior do que o VOD em agosto e setembro, com recuperação muito mais rápida se comparada a áreas com atividade de fogo relativamente baixa.
“A razão mais provável para essas diferenças é que o VOD representa a dinâmica da árvore inteira, enquanto os índices ópticos captam o que ocorre com as folhas, que se recuperam mais rapidamente”, escrevem.
Impactos
Dados divulgados no fim do ano passado pelo MapBiomas Fogo (plataforma que disponibiliza dados de incêndios, a partir de 2000, indicando a cobertura de uso do solo afetada) apontaram que mais de 330 mil quilômetros quadrados (km2) de florestas existentes atualmente no Brasil foram atingidos por incêndio nos últimos 20 anos. Dessa área total, 28,7% foram na Amazônia, bioma onde o fogo era raro há algumas décadas. Metade dos 427 mil km2 afetados na Floresta Amazônica queimou mais de uma vez no mesmo lugar.
Em 2019, ano-alvo da pesquisa, a Amazônia registrou um dos mais altos números de queimadas, com 89.176 focos de incêndio em 12 meses, segundo o Inpe. Porém, no ano passado, houve crescimento nas notificações, com 103.161 focos, o terceiro maior número na década, atrás de 2015 e 2017.
Estudo inovador publicado em maio por outro grupo de pesquisadores do qual Dal’Agnol também faz parte apontou que a Floresta Amazônica queimada em área úmida perde, em média, 27,3% das árvores, principalmente de pequeno e médio porte, e 12,8% da biomassa (estoque de carbono) até três anos após o incêndio.
A pesquisa mediu in loco os efeitos do fogo em áreas queimadas e não queimadas ao norte da região entre os rios Purus e Madeira, na Amazônia Central, em 2015, e os pesquisadores fizeram recenseamentos anuais para rastrear os fatores demográficos que determinaram a mudança de biomassa ao longo dos três anos seguintes (leia mais em: agencia.fapesp.br/36028/).