Difícil mesmo era acordar antes das seis. O banho gelado e a jia à espreita na janela do banheiro sempre tocavam o terror.
Na caminhada para a escola a lembrança ficou por conta das chuvas que mesclavam alegria e preocupação com o sapato que ia virar boca de jacaré, sem saber quando o papai poderia comprar outro.
Nunca, também, esquecerei do meio pão com manteiga que levava enrolado num saco de papel dentro da mochila. Na hora da merenda era comido a seco, mesmo. Nem sempre tinha ki-suco com bolacha na escola.
Mas a tarde chegava e só depois de ajudar mamãe com a limpeza da casa é que podíamos sair para rua e brincar de bolinha, papagaio, barrabandeira, manja, geral, cemitério… No futebol, nunca deixavam eu entrar. Não prestava nem no gol.
No tempo de manga, os braços ficavam aos frangalhos no fim da tarde, de tanto jogar pedra nas mangueiras. Eu era muito bom na pontaria e sempre acertava no talo do cacho.
À noite, depois do banho relutante no fim da tarde e de assistir Sítio do Pica-Pau Amarelo, a meninada se reunia no banco de madeira, debaixo do abacateiro da dona Doca, para contar vantagens. Tinha vez que saíamos percorrendo as ruas, tocando campainha nas casas dos outros.
No período das festas juninas, fazíamos uma bomba-relógio com catolé para assustar os lesos que atendiam. Outras vezes íamos roubar jambo no quintal da dona Genésia. Era uma graça quando nas noites escuras metíamos a mão num morcego pensando que era um fruto.
O tempo passou. Ziraldo escreveu o Menino Maluquinho e nem se brinca mais como antigamente. Mas tenho certeza que ninguém da minha infância precisará de um psicanalista.
Lúcio Carril
Sociólogo