Felix Valois
Com a destruição do muro de Berlim e a queda do regime soviético, fatos
ocorridos nos anos 89 e 91 do século passado, os reacionários do mundo inteiro
soltaram fogos de artifício, dançaram a jardineira e foram todos à praia. Estava
enterrado o demônio comunista. Afinal, o combate a esse enviado de satã tinha
desgastado as forças da incorruptível civilização ocidental, assentada em sólidas bases
de divina inspiração.
Vem a globalização. Novo e intenso orgasmo da facção que já respirava
aliviada e recobrava alento com a adoção da lei de mercado, entidade suprema que
havia de unir povos, eliminar diferenças étnicas e culturais, acolhendo sob seu manto
protetor todos os que se dedicam à humana lide. Todos irmãos, todos iguais e quem
morrer de fome é porque é um incompetente irrecuperável. As oportunidades são as
mesmas. Tanto faz passear no Jardim América como catar lixo no Zumbi.
A História chegou ao fim, foi a solene proclamação de um sábio japonês
para quem o capitalismo assentou definitiva a irreversivelmente suas raízes no planeta,
mandando às favas essa coisa de luta de classes e “otras cositas más” com que os
agentes da subversão infernizavam a vida no paraíso terrestre, então restaurado na sua
pureza original.
É comum, agora e por tudo isso, os pregoeiros da nova ordem
proclamarem que conceitos como os de “esquerda” e “direita” estão vazios e já não
fazem sentido. São mero passado, que deve ser esquecido em nome da fraternidade
universal, esta que avulta nas invasões militares americanas, na intolerância religiosa e
na miséria que grassa endêmica.
Será? A própria proclamação da tolice é uma negativa do que busca
afirmar, sabido que sempre foi uma tática da direita essa conversa de que as diferenças
ideológicas são meramente hipotéticas. Temos, portanto, que remanesce a direita que,
para efeito de classificação, há de ser chamada de histórica.
Há ainda sinais claros da existência da direita piegas, essa que treme e
tem convulsões quando houve falar de descriminalização do aborto ou de união entre
pessoas do mesmo sexo.
E existe indiscutivelmente a direita idiota (talvez o qualificativo seja
pleonástico), a que prega adesivos nos automóveis dizendo: “Na ditadura eu era feliz e
não sabia”. Se isso não for coisa de direita, minhas venerandas avós, de eterna saudade,
deveriam ser bicicletas.
Estou com a sinistra. Conversa com a outra mão só em papo de botequim
e assim mesmo se estiverem tocando discos de Chico Buarque, Geraldo Vandré e
Gonzaguinha.